Hoje quando vi este artigo no Globo me deu vontade de revisitar meus escritos sobre o Art Deco ..... aí vão alguns apontamentos. Espero que gostem !
A denominação Art Deco deriva do nome por extenso da Exposição de Artes
Decorativas e Industriais Modernas, que ocorreu em Paris, de abril a outubro no
ano de 1925, que propiciou ao movimento nome e notoriedade, pois seus primeiros
passos datam do início do século XX, em torno do ano de 1909.
Podemos dizer que a deflagração do Art Deco se dá tardiamente, porque a
Exposição foi idealizada em 1907, proposta para 1915 e por causa de uma
situação conturbada no período que antecedeu a Primeira Guerra, foi suspensa,
porém a Exposição não foi um fenômeno anacrônico, pois foi a síntese e a
avaliação destes decênios: visto que por um lado, a indústria foi catapultada
passando a ter índices bastante altos de produtividade e, por outro, a guerra
acabou com toda a pompa da Belle Epoque. Era inacreditável, portanto, algo novo
que reconciliasse arte e indústria, todavia a Expo refletia um mundo que não
ousava fazer escolhas.
A Exposição representou uma avaliação do que surgia como propostas até
então, bem como uma releitura do passado próximo, assim como ocorreu com a
Exposição Universal de 1900, que foi o triunfo do caracol, do retorcido e do
ornamento. A inauguração em abril de 1925 é um verdadeiro tour de force, contava
com 150 pavilhões no centro de Paris entre a Praça da Concordia e a Torre
Eiffel, onde se davam shows de moda, mostras fotográficas, além de exibições de
filmes, música e dança. Estavam aí representados a maioria dos países do oeste europeu somados
a União Soviética e Japão. Os Estados Unidos estava ausente, o Secretário de
Comércio declinou ao convite feito pelos organizadores do evento com a desculpa
de que não preenchia um dos quesitos estipulados: tudo o que estivesse em
exibição teria que ser moderno. Entretanto, enviou a Exposição uma delegação de
mais de 100 industriais e atistas americanos, e um número significativo de
turistas provenientes deste país visitaram-na durante os 6 meses de sua
existência[1].
A Exposição, como síntese, tem carater interessante, uma vez que nem tudo
o que ali se encontrava possuía ling uagem
Deco, o que se via era, justamente, o espaço da contradição, perpassava uma não
definição entre duas culturas, uma presa a tradição do século XIX, a outra
envolvida com a segunda Revolução Industrial. Os organizadores da Exposição,
por sua vez, estipularam que todo e qualquer objeto exposto deveria mostrar uma
inspiração moderna, entendo como moderna aquilo que o novo e a originalidade.
O melhor exemplo deste estranhamento é a própria presença de Le Corbusier
neste evento defendendo sua posição no que diz respeito a decoração: “arte
decorativa é um termo vago e impreciso ...”[2] ou
ainda “o estilo é uma mentira, é necessário deixar de lado toda a
artificialidade do decorativismo em favor de uma honestidade funcional”[3] ou
mesmo propondo a casa como a máquina de morar. Os organizadores não aceitaram
sua proposta de imediato: a criação do Pavilhão do Espírito novo como um forum
de debates, no qual se discutiriam os últimos conceitos e idéias sobre
arquitetura. A arquitetura do Pavilhão é uma composição assimétrica com cheios
e vazios, cujas superfícies equilibram pintura em alvenaria e grandes vãos de
janelas fechados por panos de vidro e a cobertura como elemento compositivo
pouco privilegiado.
Interessa relacionar outras propostas da Expo a fim de evidenciar
paradoxos existentes: o Cubismo veio associado aos estrangeiros, inclusive por
ondem oficial, os painéis de Fernand Leger e Robert Delaunay (artistas cubistas
franceses) foram removidos do hall da Embaixada Francesa. Theo Van Doesburg
protestou junto ao governo holandes a ausência da produção dos designers e
artistas do grupo DE Stijl no Pavilhão da Holanda, porém as idéias dos mesmos e
da Bauhaus estavam apresentadas (e defendidas) no Pavilhão do Espírito Novo. A
então recente União Soviética radicaliza a começar pela própria arquitetura do
Pavilhão projetado por Melnikov e ainda a presença de Alexandre Rodchenko,
Vladimir Tatlin, o Construtivismo e o Suprematismo[4].
Os críticos foram, frontalmente contra os trabalhos e consideraram uma
dilapidação da tradição, porém aquele Pavilhão ao lado do Pavilhão do Espírito
Novo, e mesmo o Pavilhão de Turismo de Mallet-Stevens foram dos raros
rebatimentos modernos ou modernistas, apesar das diferenças existentes entre
eles.
Diante desses exemplos nos vem a perplexidade ao perceber, com total
transparência, a dificuldade de enxergar o “novo”, não só pelo fruidor leigo, o
que é natural por todas as conjunturas sociais e culturais, mas também pelo
profissional – o crítico de arte. Esta questão não é original ao contrário, se
torna uma constante, principalmente a partir da Revolução Industrial. E o Art
Deco, em certo sentido, não trava polêmicas, vem confortar alguns espíritos.
Existem, todavia, várias visões ou versões do Art Deco, tanto no sentido
formal como em sua ideologia. A produção de um modo geral é tratada de modo
pejorativo ou menor por alguns estudiosos. Gunter Weimer[5]
por exemplo, coloca que “Quanto a um pretenso estilo art deco, não passou de um modismo passageiro que nem sequer
aspirou a se apresentar como uma coerência formal ...”.
Ba bibliografia levantada percebemos duas posturas: a primeira dos
autores franceses que alçam o Deco como um produto erudito, onde as propostas
nascem naturalmente de Mackintosh, da Secessão Vienense, da Bauhaus e da
Wierner Werskstatte, portanto tem relações diretas com ideais da produção
denominada intelectual, incluindo a cidade de Viena como o estágio inicial do
Deco.
Esses franceses, igualmente vêem na assimilação do modelo pelos
americanos como o momento de banalização, uma vez que consideram que o Deco vai
de forma gradual perdendo sua força e encontra seu último lugar de refúgio: os
cinemas. Exemplifica-se esta passagem com a réplica do Pavilhão de Turismo (original
de Mallet-Stevens) e outros tantos edifícios seguindo esta ling uagem erguidos no centro-oeste dos Estados
Unidos, o que foi denominado por Boullion de ill copies[6].
Os autores americanos, por sua vez, quase que em uníssono, fazem um
discurso de glorificação ao Art Deco, aos arranha-céus, aos cinemas, à
Hollywood. As origens do processo, Paris, A Expo de 1925 e a Europa como um
todo, estão presentes nos textos, muito embora haja uma repetição de conteúdos
na maioria deles, ou seja, estes pontos não são questionados e se restring em a um terço da abordagem integral.
Mediante
essas constatações, verificamos onde as dificuldades se iniciam, quando o tema
é Art Deco. Somos cônsciosque o estilo é ancorado na high culture, no sentido
de que os primeiros artistas e arquitetos, pelo menos os digno de nota, fizeram
uma leitura crítica do que se passava em Viena, Alemanha, e apreenderam os
modelos experimentados nestes países e decodificaram de maneira diversa,
apostando na contemporaneidade, logo, não cremos em pontos de partida e sim na
liberdade de escolha.
O Deco não foi somente um caso de interpretações de velhas idéias de uma
nova maneira. Acreditamos em uma proposta com projeto coerente e pertinente a
um tempo e com código próprio. A grande qualidade do Art Deco é a tentativa de
conhecimento e a consciência que este período tem de si mesmo. É por vezes,
anunciado como o último dos estilos, contudo mais acertadamente, é um estilo de
massa, o estilo da inclusãoque encontra audiência na classe consumidora. Sua
flexibilidade em todos os níveisnão fez com que perdesse sua identidade. E
diante do exposto, confirmamos sua potência de reflexão sobre o fato e sua
crença, real ou virtual, na modernidade.
[1] Cf ALBRETCH, Donald. Desining Dreams – Modern Architecture in the Movies. New York : Harper in
collaboration with the Museum
of Modern Art , 1986, p.3
[2] cf. BRUNHAMMER, Yvonne.
Op.cit, p.18
[3] WIRZ, H e STRINER, R. Washing ton Art Deco. Washing ton DC : Smithsonian Instituin Press, 1984.p 19
[4] Klein, Dan, MC CLELLAND, Nancy A. e
HASLAM, Malcolm. In the Deco Style. London :
Thames & Hudson Ltda, 1987. p 108
[5] WEIMER,
Gunter. O “Estilo” Art Deco. IN: Revista Projeto 151, pp 71-73
[6] BOULLION, Jean Paul..Op.cit. p.249